O que a física tem a ver com seu equipamento de home theater.

Por Vinicius Barbosa Lima (Novembro de 2000)

Geralmente, creditam o adjetivo de “difícil” à Física. Seria ela uma ciência de fácil compreensão, caso fosse possível eliminar os cálculos. Já que muitas de suas leis e teorias podem ser verificadas e comprovadas em nosso dia a dia, bastaria apenas um pouco de atenção. Assim, convido vocês leitores a uma breve viagem pelo mundo da Física, onde não serão efetuados cálculos, sendo necessários apenas a observação de fatos cotidianos e muita imaginação.

Para correta interpretação do áudio/vídeo, é indispensável o conhecimento de alguns conceitos. Como exemplo cito a freqüência. Uma maneira simples de definir freqüência é como sendo o número de acontecimentos registrados num espaço de tempo. Se alguém visita um amigo 5 vezes por mês, a freqüência é de 5 visitas mensais. Em questões técnicas, a unidade de medida de freqüência utiliza um período de tempo menor: 1 segundo. Interessa-nos o número de acontecimentos registrados no espaço de 1 segundo. A essa maneira de medir freqüências damos o nome de Hertz (Hz). Quando dizemos que um sinal sonoro possui freqüência de 100Hz, significa que no espaço de 1 segundo  foram formadas 100 ondas sonoras.

Isso pode ser facilmente entendido com a observação do cotidiano. Provavelmente, muitos já notaram que o som de um avião a jato soa grave quando a fonte de sinal (no caso o avião) encontra-se distante. Também perceberam que quanto mais o avião se aproxima, mais agudo o som fica. Isso ocorre porque, estando a fonte de sinal distante de nossos ouvidos, o som emitido percorrerá uma grande distância até nos alcançar. Se a distância é muito grande, um número muito baixo de ondas sonoras chegará até nós no espaço de 1 segundo. Poucas ondas chegando, significa que a taxa de chegada dessas ondas é baixa. Dizemos então que as ondas sonoras chegam com uma freqüência baixa. Sabemos que baixa freqüência corresponde ao som grave. À medida que a fonte de sinal se aproxima, a distância percorrida diminui, fazendo um maior número de ondas sonoras nos alcançar no espaço de 1 segundo. Com o aumento da freqüência de chegada, é correto afirmar que as ondas chegam com alta freqüência, o que corresponde ao som agudo. Quando a fonte emissora se afasta, o som torna a ficar grave devido ao aumento da distância percorrida pela onda sonora.

O fenômeno descrito foi batizado de “Efeito Doppler” (em homenagem ao físico Christian Doppler).        Embora possibilite boa compreensão sobre freqüências, o Efeito Doppler é válido apenas quando fonte emissora de sinal ou ouvinte encontram-se em movimento. Fisicamente, qualquer onda sonora ou eletromagnética (a luz, por exemplo) possui nível de energia proporcional à sua freqüência. Quanto mais alta a freqüência, mais alta a energia contida na onda.

Cores são freqüências de luz. Cada cor corresponde a uma freqüência definida. Se imaginarmos o espectro de luz visível como sendo uma régua (dessas para uso escolar), teremos no centro a luz branca, à direita as baixas freqüências (luz vermelha, infravermelho, ondas de rádio) e à esquerda as altas freqüências (luz azul, ultra violeta e raios gama). Ao contrário do que sugere a Psicologia, o vermelho é uma cor “fria”, pois possui baixa freqüência. Do mesmo modo, por ser de alta freqüência, o azul é uma cor “quente”. Isso é útil quando da utilização de modernos TVs e projetores que ofereçam regulagem de temperatura de cor. Escolhendo uma regulagem “cool”, estamos acentuando os tons de vermelho. Escolhendo “hot”, acentuamos os tons de azul. Tecnicamente, dizemos que ocorre um “desvio para o vermelho” ou “desvio para o azul”.

Creio que ficou fácil entender por que o “test tone” de receivers e processadores recebe o nome de “Gerador de Ruído Rosa”. Uma onda sonora perde energia ao percorrer o ar ou chocar-se contra objetos. É por isso que muitos costumam aproximar caixas acústicas das paredes objetivando ganho nos graves. Com a aproximação, as ondas sonoras refletem contra as paredes e, assim como um carro que perde velocidade após chocar-se contra um obstáculo, perdem energia e, em conseqüência, diminuem de freqüência. Após as reflexões, as ondas percorrem uma distância maior até chegarem a nós, favorecendo a perda de energia sonora e a obtenção de graves.

Em salas de áudio e vídeo, reflexões sonoras podem trazer resultados desastrosos. Ao contrário de salas dedicadas ao áudio, em um home theater  temos um componente a mais: a imagem. Esta se propaga à velocidade da luz, cerca de 800 mil vezes superior à do som. Com isso, a imagem de televisores ou projetores chega até nós mais rápido do que o som emitido pelas caixas acústicas. Retomando o cotidiano, todos já devem ter notado que sempre avistamos primeiro o relâmpago, para depois ouvirmos o trovão. Na natureza tal diferença de velocidade é percebida com facilidade, devido às grandes distâncias implicadas. Já em uma típica sala de A/V, a pequena distância impede que nosso cérebro consiga detectar a diferença, ainda porque, mesmo mais lento que a luz, o som se move com espantosa rapidez.

Se em nossas salas esse evento pode não ser notado, em grandes espaços – como salas de espetáculos e estádios de futebol – sua percepção é facilitada. Mas mesmo em uma pequena sala de A/V mal ajustada, as diferenças de velocidade podem ser perceptíveis.  Após refletir contra anteparos (paredes, mobília, etc.), o som emitido pelas caixas não chegará a nós de uma só vez. Uma parcela nos atingirá diretamente, porém outra chegará com atraso variável devido às reflexões. Com essa experiência provavelmente a grande maioria dos leitores já se deparou: chama-se eco.  Imaginem a cena: o galã do filme rouba um beijo da heroína. Se o eco (também chamado de tempo de reverberação) for grande, a imagem estará mostrando a pobre donzela desferindo um sonoro tapa no rosto do atrevido, porém pequenas frações do som da cena anterior (o beijo) ainda estarão ecoando pela sala, prejudicando a interação de som e imagem.

O mistério é controlar as reflexões, o que pode ser conseguido com a mudança da posição de caixas e mobílias, retirada de objetos dispensáveis ou utilização de painéis acústicos. Por outro lado, um pouco de reverberação pode ser bom, pois ajuda a conferir ambiência à reprodução.

Ajustes de salas  são trabalhosos. É difícil conseguir som ideal em todo o local. Como apenas uma parte das freqüências que ouvimos são as emitidas originalmente pelas fontes de sinal, pessoas sentadas em posições diferentes na mesma sala podem ouvir o som de maneira distinta. Depende da distância que o som percorre até alcançar cada ouvinte. O som parecerá mais grave para as distâncias maiores. Portanto, procurem definir uma ou duas posições de audição e fazer as regulagens para essas posições. Infelizmente, os demais ouvintes presentes quase sempre sairão prejudicados.

A velocidade do som depende da temperatura e da altitude. Quando em direção ao litoral, é comum a sensação de ouvidos entupidos devido à diferença de pressão atmosférica. Afetando nossos ouvidos, provavelmente afeta também a propagação sonora. O som move-se mais rapidamente com o aumento da altitude e diminuição da temperatura. Um equipamento instalado em uma sala refrigerada na cidade de São Paulo (700m acima do nível do mar) poderá soar diferente do mesmo equipamento se instalado em Santos (nível do mar) em típico e quente dia de verão. Mas isso já é coisa para ouvidos experientes.

Outro assunto controverso é a potência liberada pelos equipamentos. A velha questão entre watts RMS e watts PMPO. Ao contrário do que muitos pensam, RMS e PMPO não são unidades de medida. São condições em que as medições foram efetuadas. A unidade de medição é o watt (W). É impossível a transformação entre W RMS em W PMPO, pois se trata da mesma grandeza física.

Diariamente efetuamos conversões de medidas. Pode-se transformar horas em minutos, quilômetros em metros, anos em meses. Mas não podemos transformar horas em horas, metros em metros. Assim, também não há transformação de watts em watts. Tentar equivalência entre W RMS e W PMPO seria como dizer que 100 Km/h em asfalto molhado equivale a 300 Km/h em asfalto seco. A velocidade é absoluta, e sempre determina a distância percorrida num espaço de tempo. No exemplo dado, o que mudou foram as condições da pista no momento da medição e não a velocidade. O mesmo ocorre com a potência dos equipamentos.

RMS é a máxima potência obtida com baixo nível de distorção. A aferição é feita com introdução de “ruído branco” na entrada do amplificador. PMPO é a potência máxima obtida, independente do nível de distorção ou se o equipamento está atingindo seu limite de confiabilidade e resistência.

Para melhor compreensão, sugiro um exercício: utilizando som de sua preferência, se possível em gerador com freqüência de 1 kHz, aumente o volume do receiver até surgir o primeiro sinal de distorção. Este é o limite do aparelho em medição RMS. Agora, utilizando música pesada (rock, por exemplo), aumente mais o volume. Provavelmente surgirão perigosas distorções no som. Pronto, você chegou na potência PMPO. Nessa condição, o nível de distorção pode ser elevado, o que prejudicará as caixas acústicas. Portanto, muito cuidado ao fazer o exercício. Utilize níveis elevados de potência apenas por poucos segundos.

Especificações de cabos também costumam causar confusão. Imaginem um cabo como sendo o ralo de uma pia cheia de água. Se o ralo for grande, a pia se esvaziará rapidamente, pois a área disponível para passagem da água será maior. Agora troquem ralo por cabo e água por corrente elétrica. Quanto maior for a corrente elétrica a ser conduzida pelo cabo, maior deverá ser o diâmetro do cabo.

A corrente elétrica é conduzida por elétrons que compõem o material do cabo (cobre, geralmente). Em cabo fino, os elétrons encontram grande dificuldade de movimentação, chocando-se uns contra os outros, o que gera calor (imaginem um ônibus lotado). Esse calor é, na verdade, a transformação da energia elétrica em energia térmica. Assim, a energia que deveria virar som ou luz acaba transformada em calor, derretendo a capa isolante de fios e cabos. O resultado é conhecido: perda de rendimento e curto-circuito. Então, o diâmetro de cabos, sejam eles de energia elétrica ou mesmo de caixas acústicas, deve ser adequado à energia que será conduzida por eles.

Também deve-se lembrar que quanto maior o comprimento do fio ou cabo, mais tempo o sinal levará para percorrê-lo, favorecendo a perda de energia por atrito e prejudicando o resultado final.